A prática cristã tem 2000 anos?
(Uma análise de S'haul BenTsion (Israelitas do Caminho))
Essa premissa baseia-se numa meia-verdade: É verdade que existem cristãos, pelo menos desde o séc. II da Era comum, já com algumas importantes semelhanças com os grupos modernos actuais.
No entanto, desde o princípio da religião cristã, que há divergências entre convicções e práticas religiosas. Um exemplo disso é o 1º Concílio de Nicéia que ocorre no ano 325 EC.
O Primeiro Concílio de Nicéia foi o primeiro concílio ecuménico de cristãos em toda a história, e só ocorreu no século IV. Mas mesmo nessa época, havia uma enorme divergência entre várias correntes.
Sob a liderança do imperador Constantino I, o 1º Concílio de Nicéia excluiu todos os seguidores judeus de Yeshua, deliberadamente, além de ter levado ao ostracismo grupos que não apoiavam a doutrina da trindade, que já existiam em número considerável. Sabe-se também, historicamente, que alguns grupos foram igualmente forçados a aceitar as crenças romanas, em prol da unidade, pela força política do imperador.
Nesse concílio, também foram discutidos outros pontos doutrinários importantes, como por exemplo sobre a data do Pêssach (“Páscoa”), que nos séculos anteriores tinha sido tema de grande controvérsia, nomeadamente, as demandas entre Policarpo e Roma, e assim permaneceu até a imposição romana posterior da páscoa na data da festa da deusa pagã da fertilidade.
Portanto, até Nicéia, havia uma grande variedade de crenças e práticas, e não existia uma “Igreja” única, já que nova religião do império Romano, caracterizada pelo sincretismo religioso, começou a estabelecer-se com Constantino, um imperador pagão e adorador de Mitra, o deus-sol.
Até essa época, além de comunidades com as mais variadas práticas, havia ainda diversas comunidades judaicas de seguidores de Yeshua, que foram posteriormente destruídas devido à perseguição romana. Sobre isso, a Enciclopédia Católica afirma:
“Depois de meados do século V, os "judeus cristãos" desapareceram da história.”
Além disso, mesmo depois dos tempos dos chamados “Concílios Ecuménicos”, divergências de teologia e de prática teológica continuaram sempre a existir. Ao longo dos séculos, deram-se várias cisões.
Nem todos têm noção disso, mas nem sequer existe uma única Igreja Católica. Há várias, sendo Roma a mais importante de todas. Veremos isso mais à frente.
Mesmo dentro da Igreja Romana, muitas crenças e práticas foram revistas ao longo da história. Um dos exemplos é o uso e a adoração de imagens.
- Em 431, a versão católica de Maria foi declarada por Roma como “a Mãe de Deus”, crença até então desconhecida.
- Em 754, o Concílio de Hiéria aboliu o uso de imagens e estátuas. Mais tarde, acabou por ser declarado inválido e anulado pela igreja.
- Em 1869, o Primeiro Concílio do Vaticano introduziu a infalibilidade papal.
Estas são apenas algumas das diversas mudanças de crenças e posicionamentos da Igreja Romana ao longo dos séculos.
Depois desta primeira leitura percebemos então que:
- As práticas cristãs só começaram a ganhar unidade, devido à pressão política, a partir do século V.
- Mesmo dentro desse organismo único, que surge a partir do século IV, muitas práticas foram revistas e crenças foram reformuladas.
- Não existe forma de afirmar que existe “uma única prática que perdura por 2 mil anos”
O Cristianismo tem 2 mil anos?
O primeiro problema disso é também o mais evidente: Muitos dos que fazem tal afirmação vêm dos meios protestante e evangélico. E isso por si só já é um problema.
A Reforma Protestante é do século XVI, e praticamente em todas as igrejas evangélicas da actualidade, percebemos que as suas doutrinas derivam da reforma - mesmo aquelas que, erroneamente, acreditam serem originárias de grupos mais antigos.
Vejamos aqui alguns dos principais eventos do Cristianismo, e dos seus principais grupos. Aos leitores cristãos, recomenda-se o seguinte exercício: tentem localizar a origem do grupo a que pertencem:
Algumas das principais cisões Cristãs
Século IV: Primeiro Concílio Ecuménico, que forma uma “organismo único.” Os discordantes são marginalizados. Grupos judaicos são deliberadamente excluídos.
Séculos IV e V: Concílios de Constantinopla e Éfeso: Marginaliza grupos que não crêem na Trindade e em Maria como “Mãe de Deus”. Dá origem à cisão com a Igreja Assíria do Oriente. Grupos judaicos de seguidores de Yeshua são levados praticamente extintos devido à perseguição.
Século V: Divisão sobre a natureza de Yeshua, leva à cisão entre as Igrejas do Ocidente, e as Igrejas do Oriente. A Igreja do Ocidente posteriormente dividir-se-ia novamente. A Igreja do Oriente é hoje conhecida como “Ortodoxa Oriental” As Igrejas Ocidentais (inclusive mais tarde alguns protestantes) negam o “Segundo Concílio de Éfeso” e reconhecem o “Concílio de Calcedónia.” Já as Igrejas Orientais consideram o último, e negam o primeiro.
Século VIII: Contenda na Igreja Romana sobre o “Concílio de Hiera” e o “Segundo Concílio de Nicéia”, acerca do uso de imagens. O Catolicismo Romano reconhece o segundo, e nega o primeiro. Já parte do Protestantismo nega o segundo, e reconhece o primeiro.
Século XI: Ruptura entre a Igreja do Leste (hoje conhecida como Católica Ortodoxa do Leste) e a Igreja do Ocidente (hoje conhecida apenas como Católica Romana), devido a uma demanda entre o Patriarca de Constantinopla e o Papado Romano.
Séculos XII a XV: Tentativas frustradas de reforma por parte dos Hussitas, Lolardos, e Waldenses. Os últimos foram destruídos, os segundos e parte dos primeiros foram incorporados pela Reforma do século XVI, e parte dos primeiros formou a igrejas Hussita que, como a igreja Anglicana, é um misto de Catolicismo e Protestantismo.
Século XVI: Reforma protestante. Início das igrejas Luterana, Anglicana, Anabatista (hoje fundamentalmente Menonita), e de outros movimentos como o Calvinista.
Século XVII: Origem da Igreja Batista, em ruptura com a Igreja Anglicana em Amesterdão.
Século XVIII: Origem da Igreja Metodista, em ruptura com a Igreja Anglicana na Inglaterra. Origem, na Escócia, da Igreja Presbiteriana, a partir do movimento Calvinista e influenciada por outros reformadores.
Séculos XIX e XX (início): Início do Pentecostalismo, que teve forte influência Wesleyana, e que afectou boa parte das igrejas protestantes. Nesta, originam-se importantes denominações como a “Assembleia de Deus.” Início do movimento Adventista.
Século XX (meados): Início do Movimento Carismático, cuja premissa era renovar as igrejas protestantes. Deu origem às Igrejas Renovadas dentro das diferentes linhas protestantes clássicas. Foi também o precursor do “Catolicismo Romano Carismático”.
Século XX (final): Início do Movimento Neo-pentecostal, a partir de igrejas norte-americanas. É responsável por boa parte das igrejas chamadas “não-denominacionais” na actualidade, que se caracterizam por uma enorme variedade de crenças e práticas.
Poderíamos estar aqui a escrever horas, que não teríamos forma de listar todas as cisões, discordâncias e desavenças existentes no Cristianismo, assim como a variedade de crenças e práticas. É possível que às vezes os leitores tenham pouco contacto com outras práticas, por residirem em regiões onde elas não se dão, mas isso não nega a existência global de várias variantes.
Como se pode ver, não existe um “Cristianismo”. O termo é bastante genérico, e aplicável a grupos com as crenças mais variadas possíveis e imagináveis. Se compararmos um cristão ortodoxo do Oriente, com um católico romano, um baptista tradicional e um neopentecostal, eles terão muito pouco em comum. No entanto todos eles dirão que são "cristãos". Poderão ter, inclusive, divergências profundas em temas fundamentais como a salvação, a natureza de Yeshua e o baptismo.
Não existe forma, portanto, dos leitores cristãos de afirmarem categoricamente que “o Cristianismo tem 2 mil anos”, porque não existe esse Cristianismo global e único que essa afirmação pressupõe.
E como podem, ainda, os leitores afirmarem que “o Cristianismo Bíblico tem 2 mil anos”, se a definição de “Cristianismo Bíblico” varia de cristão para cristão. Se formos pela maioria, então todos deveriam ser católicos romanos. Se formos pelas práticas ou doutrinas mais difundidas, novamente estaremos mais próximos do catolicismo do que do protestantismo. Mesmo dentro do protestantismo, existem várias diferenças de crenças e práticas.
Lembramos que estamos, neste estudo, a analisar argumentos externos à Bíblia.
É claro que a resposta a muitas dessas questões é abrir a Bíblia e analisá-la. Porém, muitos ao lerem as Escritura dizem: “Todos interpretam desta forma” Se formos igualmente pensar na forma em que a maioria das pessoas lê a Bíblia, estaremos novamente a aproximar-nos do Catolicismo.
Há quem diga que, apesar disso, há 2 mil anos “existe uma igreja invisível, composta dos verdadeiros seguidores de Yeshua”.
Não vamos aprofundar a análise desta frase, que não é o propósito deste artigo. Porém, não existe nenhuma definição histórica das práticas dessa “igreja invisível” Normalmente, quem usa essa frase parte da premissa de que a “igreja invisível” tem práticas e interpretações teológicas semelhantes às suas próprias. Mas como não há registo histórico da “igreja invisível” (por razões óbvias), não há como dizer que essa “igreja invisível” tinha esta ou aquela prática ou crença. Por outras palavras: Não é possível argumentar sobre a “igreja invisível” para defender práticas, porque isso depende da subjectividade de quem define a expressão.
Conclusões sobre esta premissa
- É muito subjectivo afirmar que este ou aquele grupo tem “2 mil anos". Na verdade, nenhum grupo cristão tem oficialmente 2 mil anos de existência. E, em muitos casos, dependem de que lado a pessoa está no momento da cisão.
- Não há como definir, com base nos grupos cristãos, um conjunto único de dogmas de fé e de prática que sejam “um núcleo de 2 mil anos”, pois até em temas fundamentais como a salvação, encontram-se divergências entre si.
Obedecer à Lei é uma novidade entre os seguidores de Yeshua?
Alguns argumentam que a ideia de obedecer à Lei de Deus só começou a ser divulgada nos tempos actuais, por grupos “sectários” ou "judaizantes" e que por isso não pode ser levada em consideração, pois trata-se de uma “novidade” que jamais existiu anteriormente. Mais uma vez, esse é um argumento equivocado.
Os grupos históricos mais tradicionais escandalizar-se-iam profundamente com a tendência moderna de se declarar que não há necessidade de se cumprir “a Lei de Deus” Vejamos aqui algumas confissões de fé:
Reforma Protestante
Um dos principais documentos das igrejas reformadas era conhecido como o Catecismo de Heidelberg (século XVI), que afirma o seguinte:
“Mas o que são as boas obras? Somente aquelas que procedem da verdadeira fé, e são realizadas segundo a Lei de Deus, e para a Sua glória; e não aquelas que são fundadas na nossa imaginação, ou nas instituições de homens.” (Pergunta 91)
A Confissão Batista (século XVII) também afirma algo semelhante, quando diz:
“O Espírito do Messias subjuga a vontade do homem, e permite realizar livremente e com alegria aquilo que é a vontade de Deus, conforme revelado na Lei, requer que seja feito.” (19:7)
Catolicismo Romano
O Catecismo da Igreja Católica também afirma algo semelhante:
“A Lei do Eterno confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como um caminho de vida e de verdade.” (2037)
Catolicismo Ortodoxo
Algo semelhante também pode ser encontrado no Catecismo de São Filaret:
“Que forma temos de discernir boas obras das ruins? Pela lei interior do Eterno, ou testemunho de nossa consciência, e pela lei exterior do Eterno... Quando e como foi a lei exterior do Eterno dada aos homens? Quando o povo hebreu, descendente de Abraão, foi milagrosamente resgatado da escravidão do Egipto, no caminho da terra prometida, no deserto, no monte Sinai, o Eterno manifestou sua presença em fogo e nuvens, e deu a eles a Lei, pela mão de Moisés, seu líder.”
A Mudança do Movimento Carismático
A ideia de que não haja qualquer necessidade de cumprimento da Lei de Deus surgiu com o movimento Carismático e foi herdada pelo Neo-pentecostalismo. Essa ideia, que posteriormente acabou por influenciar outras igrejas, foi duramente criticada pelos seus antecessores. Por exemplo, o pastor pentecostal (não-carismático) Bill Burket afirma:
“Os carismáticos indicam em seu ensinamento que a Lei de Deus e o Seu amor são diamétricos, e que se você observa um, você não tem o outro, e que esses representam dois tipos diferentes de dispensação de revelação, e que estamos a viver a dispensação do amor, e que portanto você está nalgum tipo de escravidão se viver pela Lei moral de Deus. Mas a Bíblia ensina que eles são a mesma coisa, e a Lei de Deus é simplesmente o Amor de Deus em forma escrita.” (Pentecostal But Not Charismatic)
Evidentemente que existe uma profunda divergência entre o que os grupos supracitados consideram ser a “Lei de Deus” e o que os que defendem a observância total da Torá.
Não queremos de forma alguma negar essa alegada diferença. Porém, é preciso igualmente compreender que esses grupos também divergem entre eles sobre a definição do que é a “Lei”. Mas, à excepção dos grupos mais modernos, todos concordam que a “Lei” (seja qual for a sua definição) deve ser cumprida, e que o simples cumprir a “Lei” não anula a fé nem a graça - desde que, claro, feita pelos motivos correctos, isto é, como consequência da fé, e não como tentativa de se obter a salvação pelas obras.
Conclusões sobre esta premissa
- Historicamente, a ideia da necessidade do cumprimento da Lei sempre acompanhou todas as ramificações do Cristianismo.
- Embora praticamente todos os grupos cristãos discordem entre eles sobre o que é a “Lei de Deus”, a ideia de que essa Lei não deveria ser cumprida é um desenvolvimento teológico mais recente.
As Práticas da Torá são uma novidade entre os seguidores de Yeshua?
Uma variação do argumento anterior é a afirmação de que as práticas realizadas pelos grupos que defendem a Torá são práticas estranhas, e que não são adoptadas por nenhum outro grupo.
Novamente, é preciso que os leitores entendam que o seu universo pessoal não representa nem 1% do Cristianismo, e que o facto de não terem conhecimento que determinadas práticas sejam realizadas no meio que os leitores vivem, não significa que tais práticas não sejam amplamente realizadas noutros lugares.
Vocês poderão ficar surpreendidos com a frase a seguir, mas o facto é que o Cristianismo cumpre grande parte da Torá. Temos noção de que essa frase controversa espantará tanto o leitor cristão quanto o israelita. No entanto, solicito que tirem as vossas conclusão apenas depois de lerem os argumentos que se seguem:
A seguir, alguns exemplos entre algumas das práticas da Torá que mais se destacam para quem tem contacto com ela:
1- Shabbat
O Shabbat, ou sábado, nunca deixou, ao longo da história, de ser observado por grupos de cristãos, mesmo após a imposição do domingo por parte da Igreja Romana. Agostinho, de Hipona, por exemplo confirma no século IV:
“É claro que todas as igrejas orientais e a maior parte do mundo observavam o Shabbat como festival. Os autores gregos são unânimes no seu testemunho.”
Ao longo da Idade Média, pelo menos dois grupos observavam o Shabbat: A Igreja Ortodoxa Etíope que, devido à distância geográfica de Roma, é a que mais se assemelha aos ritos dos antigos seguidores de Yeshua, algumas Igrejas Ortodoxas Orientais, e também alguns grupos anteriores à Reforma, como por exemplo os Waldenses. Depois da Reforma, vários outros grupos sabatistas surgiram, sendo os mais importantes, os Batistas do Sétimo Dia e os Adventistas. Portanto, uma parcela considerável da Cristandade sempre observou o Shabbat.
2- Circuncisão
Muitos ficarão surpreendidos, mas a circuncisão também é praticada dentro do Cristianismo, especialmente dentro da Ortodoxia. As Igrejas Ortodoxa Copta, Ortodoxa Etíope e Ortodoxa da Eritréia, além de algumas outras igrejas africanas, ainda praticam a circuncisão de seus filhos, conforme a determinação bíblica.
Um documento da ONU, que delibera sobre a questão, afirma:
“Os cristãos coptas no Egipto e os cristãos ortodoxos etíopes - duas das formas mais antigas de Cristianismo sobreviventes - retêm muitos aspectos do Cristianismo primitivo, inclusive a circuncisão de homens.” (Male Circumcision: context, criteria and culture)
Como vemos, mais uma vez é uma prática que tem considerável adopção dentro do Cristianismo, embora não seja muito conhecida na sociedade ocidental.
3- Festas Bíblicas (Geral)
Além de terem sido celebradas nas comunidades primitivas, e tornarem-se controvérsia com a Igreja Romana até, pelo menos, meados do século VII, há também registos da observância de festas bíblicas, inclusive durante a Idade Média.
O rabino-historiador Samuel Kohn também relata na sua obra “Sabbatarians in Transylvania” registos históricos de comunidades sabatistas no século XVI celebrando todas as festas bíblicas.
Recentemente, também temos visto um crescente interesse de movimentos cristãos mais modernos, a partir do século XIX, com crescente interesse nas festas bíblicas.
Por outras palavras, a prática dentro do Cristianismo de festas bíblicas sempre existiu, em maior ou menor grau, e perdura até hoje. Está muito longe, portanto, de ser uma novidade entre os crentes em Yeshua.
A seguir, veremos alguns exemplos de festas específicas:
3.1) Páscoa/Festa dos asmos
Primeiramente, é preciso distinguir entre o “não praticar” e o “praticar equivocadamente.” Porque enquanto o primeiro pressupõe uma abolição da prática, o segundo não. Esse é o caso do Pêssach, ou “Páscoa.” Todo o mundo cristão a celebra, embora muitos o façam equivocadamente, sem se darem conta de que a Igreja Romana adoptou, para essa festividade, a data e os costumes da festa da deusa da fertilidade, Ishtar. No entanto, ninguém questiona a importância da data.
Além disso, como vimos, existiam muitos grupos que praticavam a datação e o costume correcto não só do Pêssach (“Páscoa”) como também de Chag haMatsot (Festa de Pães Ázimos.) Esses grupos eram chamados de “quartodecimanos.” Em alusão ao dia catorze de abib. Embora entre esses grupos, nem todos cumprissem a festa de pães ázimos, uma parcela considerável (provavelmente a maioria) fazia-o. Sabe-se, por um registro do bispo de York, que os quartodecimanos existiram até, pelo menos, ao século XVII. Depois da Reforma, alguns grupos (embora não muito grandes) retornaram à prática quartodecimana.
Resumindo, essa é uma prática que, de uma forma ou de outra, se mantém parcialmente em todo o Cristianismo; manteve-se na sua totalidade por muitos séculos apesar da forte perseguição de Roma.
3.2) Pentecostes
Esta é uma festa que se mantém até hoje, embora tenha mais importância dentro dos ritos católicos do que do Protestantismo. Trata-se da famosa festa de “Pentecostes”, ou “Festa das Semanas”, como é conhecida biblicamente.
Como essa festa possui relação cronológica com Páscoa/Asmos, e tendo a Igreja Romana revisto a data da sua “Páscoa”, evidentemente que a data acaba por não coincidir com a verdadeira data bíblica de Shavuot (Pentecostes).
Porém, a prática permanece apesar desse erro. É claro que a prática moderna já tem evidentes diferenças em relação à prática bíblica, mas o importante é ressalvar que Shavuot, mesmo com muitos erros, não é considerada uma prática abolida, e é realizada por boa parte do Cristianismo.
3.3) Dia das Trombetas (Yom Teruá)
Como já afirmamos, a chamada “Festa das Trombetas” é mais um exemplo de uma festa bíblica que tem sido mais recentemente igualmente revisitada por grupos cristãos modernos. Porém, mais importante do que isso é o facto de que inúmeros teólogos cristãos apontam correctamente para Yom Teruá como directamente associado ao dia do retorno de Yeshua. Sendo assim, mesmo a data não ter sido praticada pela vasta maioria, muitos são os teólogos que a consideram fundamental, teologicamente.
3.4) Dia da Expiação (Yom Kippur)
O Yom Kippur (“Dia da Expiação”) caracterizava-se por dois principais elementos: Um deles dizia respeito ao ritual do Sumo-Sacerdote, que derramava o sangue sobre o propiciatório da Arca da Aliança. O outro aspecto era o “afligir de almas”, eufemismo bíblico para o jejum.
Poucos sabem, mas até hoje a Igreja Ortodoxa Etíope mantém a prática de derramar um cálice de vinho (representando o sangue de Yeshua) sobre o propiciatório do Arca da Aliança. A Igreja Etíope alega ter posse da Arca da Aliança, embora muitos especulem que seja uma réplica, possivelmente enviada por Salomão à rainha de Sabá, e preservada pelos Beta Israel, a comunidade judaica etíope até aos primórdios do Cristianismo.
Sem entrar no mérito teológico da questão, o Dia da Expiação é também considerado uma data importante dentro da teologia Adventista, que o considera como uma data especial de cumprimento de parte da expiação de Yeshua nas regiões celestiais. Portanto, mais uma vez o Dia da Expiação não é uma prática “nova” nas práticas cristãs.
3.5) Sukkot (Festa das cabanas ou festa dos tabernáculos)
Além de ser uma das festas com registos históricos sobre a sua observância ao longo dos séculos, e do interesse moderno na mesma, esta é uma festa que a Bíblia diz explicitamente que será celebrada no Milénio, por todas as nações, em Zacarias 14:16-19. Com isto, muitos teólogos não negam a sua importância, e afirmam que a mesma esteve vigente, e será vigente, não estando vigente unicamente no momento presente da “Igreja” - o que não é difícil de perceber como pretexto teológico para não observá-la actualmente.
4) Leis alimentares
As chamadas “leis alimentares” também têm sido observadas ao longo dos séculos por diversos grupos cristãos.
Dentre os grupos católicos, mais antigos, podemos destacar a Igreja Ortodoxa Etíope, que até hoje mantém as leis alimentares bíblicas na sua prática de fé. Outras Igrejas Ortodoxas, tanto Orientais quanto Ocidentais, embora não enfatizem tais leis da mesma forma que a Igreja Etíope, também desencorajam os seus seguidores a seguirem uma alimentação não bíblica.
Semelhantemente, após a Reforma, temos como principal grupo praticante das leis alimentares o movimento Adventista. Há também grupos mais modernos que têm praticado tais leis. Sendo assim, podemos perceber que as leis alimentares não podem ser chamadas de “novidade” ou descartadas como uma nova invenção, mas vêm sendo praticadas desde os primórdios do Cristianismo.
Estes são apenas alguns exemplos de inúmeras práticas da Torá que, em maior ou menor escala, com maiores ou menores alterações, podem ser encontradas nas diversas vertentes do Cristianismo. E servem para demonstrar que a pregação da Torá, e do retorno à obediência à Lei de Deus não é algo novo.
A grande diferença entre tais práticas e a prática dos grupos actuais que defendem a observância da Torá é apenas uma: Enquanto a maioria dos grupos supracitados cumpre esta ou aquela observância e ignora outras, nós defendemos que TODA a Torá é o livro de instruções da caminhada dos crentes.
A observância selectiva dos grupos supracitados também prova claramente que as igrejas cristãs têm uma atitude dúbia para com a Lei de Deus, pois ao julgarem-se capazes de determinar quais os preceitos da Palavra Imutável que foram abolidos, e que outros preceitos devem ser cumpridos, os grupos acabam por discordar entre eles próprios, e cada qual tem práticas distintas, pois pouquíssimos são os que observam a totalidade.
Vemos então que:
- As práticas da Torá (instrução) do Eterno não são práticas modernas, e a maior parte dela podem ser encontradas ao longo inclusive de toda a história do Cristianismo.
- As igrejas cristãs divergem consideravelmente sobre quais os preceitos da Torá que devem ser cumpridos hoje.
- O que propomos não é invenção de homens, mas uma premissa simples: TODAS as recomendações do Eterno são fonte de instrução para a humanidade.
Seguindo a Maioria?
Outro argumento bastante utilizado é o de que “todo o mundo pensa ou age de certa forma”
Existem alguns erros básicos nessa premissa. O primeiro é acerca da maioria: Normalmente, as pessoas referem-se à maioria dentro da região onde moram. Contudo, isso é bastante relativo, pois há diversas regiões onde impera esta ou aquela denominação religiosa. Uma pessoa que viva no Egipto terá como maioria predominante as igrejas Copta e Oriental. Alguém que viva na Itália terá como maioria predominante o Catolicismo Romano, e assim por diante. Portanto, a “maioria regional” não é sinónimo de doutrina correcta, e simplesmente reflecte um desejo da pessoa de colocar o social acima da fé.
Caso consideremos a “maioria global”, todos deveriam ser católicos romanos. Porém, boa parte dos demais cristãos consideram o catolicismo romano como uma das denominações mais distantes da Bíblia em termos de fé e prática. E mesmo os católicos romanos representam apenas cerca de 50% do mundo cristão - o que significa que igualmente teriam problemas em afirmar que todo o restante está equivocado, por força unicamente numérica.
Além disso, esse argumento apresenta dois pesos e duas medidas, quando apresentado por um evangélico ou protestante. Porque se Lutero, Zwingli ou Calvin tivessem pensado dessa forma, as igrejas protestantes possivelmente não existiriam hoje. Na época desses homens, não havia variedade de igrejas numa mesma região. Se a região fosse dominada por Roma, todos seriam católicos romanos. Isto significa que esses homens tiveram que aceitar ficar inicialmente sozinhos, e não seguiram a maioria.
Nem é preciso recordar que a Bíblia em diversos pontos adverte que não devemos nem seguir a maioria, muito menos ceder a pressões sociais (ou mesmo familiares), como por exemplo nos versos abaixo:
"Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto." 1 Cor. 10:5
"Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo." Luc. 14:26
Então mais uma vez vemos que:
- Esta premissa é baseada em estatísticas locais e, portanto, equivocadas.
- Se a maioria for a voz da razão, deveriam todos ser Católicos Romanos.
- A Bíblia não se preocupa com números, e sim com a verdade.
Foi Deus que permitiu que as coisas fossem assim?
Alguns afirmam que “Deus tem a liderança das igrejas” e que se Ele permitiu que assim fosse, isso significa que Ele está satisfeito com elas.
No entanto tal afirmação tem alguns senãos. O primeiro deles, já evidenciado anteriormente é: Qual a igreja que Deus lidera?
Na realidade, o que acontece é que YHWH é paciente. E as pessoas confundem a paciência de Deus com o "ter a sua aprovação". Vejamos um exemplo nas Escrituras sobre isso:
"E acharam escrito na lei que o SENHOR ordenara, pelo ministério de Moisés, que os filhos de Israel habitassem em cabanas, na solenidade da festa, no sétimo mês. Assim publicaram, e fizeram passar pregão por todas as suas cidades, e em Jerusalém, dizendo: Saí ao monte, e trazei ramos de oliveiras, e ramos de zambujeiros, e ramos de murtas, e ramos de palmeiras, e ramos de árvores espessas, para fazer cabanas, como está escrito. Saiu, pois, o povo, e os trouxeram, e fizeram para si cabanas, cada um no seu terraço, nos seus pátios, e nos átrios da casa de Deus, na praça da porta das águas, e na praça da porta de Efraim. E toda a congregação, dos que voltaram do cativeiro fizeram cabanas, e habitaram nas cabanas, porque nunca fizeram assim os filhos de Israel, desde os dias de Josué, filho de Num, até àquele dia; e houve mui grande alegria." Neemias 8:14-17
Repare no que a Bíblia diz aqui: O povo de Israel passou quase mil anos negligenciando um mandamento de Deus! E nem por isso Ele deixou de amar ou de ser paciente com o povo de Israel. O povo estava no erro, mas YHWH foi longânimo devido à ignorância do povo.
Da mesma forma, a restauração da fé não teve o seu fim em Lutero: Ela teve seu início nele, mas precisa prosseguir. É preciso que todos deixem as práticas pagãs incorporadas pela Igreja de Roma, e voltem às práticas bíblicas. Lutero apenas deu início aquilo que os que lhe sucederam deveriam dar continuidade.
A misericórdia de YHWH não deve ser pretexto para deixarmos de nos voltarmos para a verdade. E assim como o Eterno se relacionou com Israel apesar da sua desobediência, sem aprová-la, muitas vezes Ele relaciona-se com pessoas que estão em sistemas religiosos falsos, sem que isso possa significar que Ele aprove todos os seus hábitos, comportamentos ou crenças.
Conclusões sobre esta premissa
- Não devemos confundir a paciência do Eterno, com aceitação.
- O Eterno se relaciona misericordiosamente com o ser humano, apesar dos seus erros.
- Mesmo assim, devemos buscar a verdade, pois Deus tem-nos levado no sentido da restauração. Uma coisa é Deus saber que o buscamos continuamente, outra coisa é Ele saber que estamos acomodados, percebemos o erro, e mesmo assim, nada fazemos para corrigi-lo.
Para finalizar percebemos então que:
- As práticas cristãs da actualidade não têm 2 mil anos.
- Não existe um “Cristianismo” ou uma “Igreja” de 2 mil anos. Essa definição depende da subjectividade de cada um.
- Diferentes grupos cristãos têm diferentes crenças sobre assuntos fundamentais na fé.
- Até há bem pouco tempo, a ideia de obedecer à Lei de Deus sempre acompanhou os que dizem seguir Yeshua, com variações apenas na definição sobre o que é “Lei.”
- Não há unanimidade no meio do Cristianismo sobre o que é a “Lei de Deus”.
- As práticas da Torá não são novidade, e boa parte delas podem ser encontradas nos mais variados grupos cristãos.
- A Torá não é unicamente praticada por um pequeno grupo sectário do século 21. Ela foi praticada ao longo de toda história.
- É ilusão achar que “seguir uma suposta maioria” é positivo, biblicamente.
- A tolerância do Eterno com o Cristianismo não significa que Ele aprova as suas crenças, ou práticas.
Louvado seja o Nome do Eterno, YHWH.
Essa premissa baseia-se numa meia-verdade: É verdade que existem cristãos, pelo menos desde o séc. II da Era comum, já com algumas importantes semelhanças com os grupos modernos actuais.
No entanto, desde o princípio da religião cristã, que há divergências entre convicções e práticas religiosas. Um exemplo disso é o 1º Concílio de Nicéia que ocorre no ano 325 EC.
O Primeiro Concílio de Nicéia foi o primeiro concílio ecuménico de cristãos em toda a história, e só ocorreu no século IV. Mas mesmo nessa época, havia uma enorme divergência entre várias correntes.
Sob a liderança do imperador Constantino I, o 1º Concílio de Nicéia excluiu todos os seguidores judeus de Yeshua, deliberadamente, além de ter levado ao ostracismo grupos que não apoiavam a doutrina da trindade, que já existiam em número considerável. Sabe-se também, historicamente, que alguns grupos foram igualmente forçados a aceitar as crenças romanas, em prol da unidade, pela força política do imperador.
Nesse concílio, também foram discutidos outros pontos doutrinários importantes, como por exemplo sobre a data do Pêssach (“Páscoa”), que nos séculos anteriores tinha sido tema de grande controvérsia, nomeadamente, as demandas entre Policarpo e Roma, e assim permaneceu até a imposição romana posterior da páscoa na data da festa da deusa pagã da fertilidade.
Portanto, até Nicéia, havia uma grande variedade de crenças e práticas, e não existia uma “Igreja” única, já que nova religião do império Romano, caracterizada pelo sincretismo religioso, começou a estabelecer-se com Constantino, um imperador pagão e adorador de Mitra, o deus-sol.
Até essa época, além de comunidades com as mais variadas práticas, havia ainda diversas comunidades judaicas de seguidores de Yeshua, que foram posteriormente destruídas devido à perseguição romana. Sobre isso, a Enciclopédia Católica afirma:
“Depois de meados do século V, os "judeus cristãos" desapareceram da história.”
Além disso, mesmo depois dos tempos dos chamados “Concílios Ecuménicos”, divergências de teologia e de prática teológica continuaram sempre a existir. Ao longo dos séculos, deram-se várias cisões.
Nem todos têm noção disso, mas nem sequer existe uma única Igreja Católica. Há várias, sendo Roma a mais importante de todas. Veremos isso mais à frente.
Mesmo dentro da Igreja Romana, muitas crenças e práticas foram revistas ao longo da história. Um dos exemplos é o uso e a adoração de imagens.
- Em 431, a versão católica de Maria foi declarada por Roma como “a Mãe de Deus”, crença até então desconhecida.
- Em 754, o Concílio de Hiéria aboliu o uso de imagens e estátuas. Mais tarde, acabou por ser declarado inválido e anulado pela igreja.
- Em 1869, o Primeiro Concílio do Vaticano introduziu a infalibilidade papal.
Estas são apenas algumas das diversas mudanças de crenças e posicionamentos da Igreja Romana ao longo dos séculos.
Depois desta primeira leitura percebemos então que:
- As práticas cristãs só começaram a ganhar unidade, devido à pressão política, a partir do século V.
- Mesmo dentro desse organismo único, que surge a partir do século IV, muitas práticas foram revistas e crenças foram reformuladas.
- Não existe forma de afirmar que existe “uma única prática que perdura por 2 mil anos”
O Cristianismo tem 2 mil anos?
O primeiro problema disso é também o mais evidente: Muitos dos que fazem tal afirmação vêm dos meios protestante e evangélico. E isso por si só já é um problema.
A Reforma Protestante é do século XVI, e praticamente em todas as igrejas evangélicas da actualidade, percebemos que as suas doutrinas derivam da reforma - mesmo aquelas que, erroneamente, acreditam serem originárias de grupos mais antigos.
Vejamos aqui alguns dos principais eventos do Cristianismo, e dos seus principais grupos. Aos leitores cristãos, recomenda-se o seguinte exercício: tentem localizar a origem do grupo a que pertencem:
Algumas das principais cisões Cristãs
Século IV: Primeiro Concílio Ecuménico, que forma uma “organismo único.” Os discordantes são marginalizados. Grupos judaicos são deliberadamente excluídos.
Séculos IV e V: Concílios de Constantinopla e Éfeso: Marginaliza grupos que não crêem na Trindade e em Maria como “Mãe de Deus”. Dá origem à cisão com a Igreja Assíria do Oriente. Grupos judaicos de seguidores de Yeshua são levados praticamente extintos devido à perseguição.
Século V: Divisão sobre a natureza de Yeshua, leva à cisão entre as Igrejas do Ocidente, e as Igrejas do Oriente. A Igreja do Ocidente posteriormente dividir-se-ia novamente. A Igreja do Oriente é hoje conhecida como “Ortodoxa Oriental” As Igrejas Ocidentais (inclusive mais tarde alguns protestantes) negam o “Segundo Concílio de Éfeso” e reconhecem o “Concílio de Calcedónia.” Já as Igrejas Orientais consideram o último, e negam o primeiro.
Século VIII: Contenda na Igreja Romana sobre o “Concílio de Hiera” e o “Segundo Concílio de Nicéia”, acerca do uso de imagens. O Catolicismo Romano reconhece o segundo, e nega o primeiro. Já parte do Protestantismo nega o segundo, e reconhece o primeiro.
Século XI: Ruptura entre a Igreja do Leste (hoje conhecida como Católica Ortodoxa do Leste) e a Igreja do Ocidente (hoje conhecida apenas como Católica Romana), devido a uma demanda entre o Patriarca de Constantinopla e o Papado Romano.
Séculos XII a XV: Tentativas frustradas de reforma por parte dos Hussitas, Lolardos, e Waldenses. Os últimos foram destruídos, os segundos e parte dos primeiros foram incorporados pela Reforma do século XVI, e parte dos primeiros formou a igrejas Hussita que, como a igreja Anglicana, é um misto de Catolicismo e Protestantismo.
Século XVI: Reforma protestante. Início das igrejas Luterana, Anglicana, Anabatista (hoje fundamentalmente Menonita), e de outros movimentos como o Calvinista.
Século XVII: Origem da Igreja Batista, em ruptura com a Igreja Anglicana em Amesterdão.
Século XVIII: Origem da Igreja Metodista, em ruptura com a Igreja Anglicana na Inglaterra. Origem, na Escócia, da Igreja Presbiteriana, a partir do movimento Calvinista e influenciada por outros reformadores.
Séculos XIX e XX (início): Início do Pentecostalismo, que teve forte influência Wesleyana, e que afectou boa parte das igrejas protestantes. Nesta, originam-se importantes denominações como a “Assembleia de Deus.” Início do movimento Adventista.
Século XX (meados): Início do Movimento Carismático, cuja premissa era renovar as igrejas protestantes. Deu origem às Igrejas Renovadas dentro das diferentes linhas protestantes clássicas. Foi também o precursor do “Catolicismo Romano Carismático”.
Século XX (final): Início do Movimento Neo-pentecostal, a partir de igrejas norte-americanas. É responsável por boa parte das igrejas chamadas “não-denominacionais” na actualidade, que se caracterizam por uma enorme variedade de crenças e práticas.
Poderíamos estar aqui a escrever horas, que não teríamos forma de listar todas as cisões, discordâncias e desavenças existentes no Cristianismo, assim como a variedade de crenças e práticas. É possível que às vezes os leitores tenham pouco contacto com outras práticas, por residirem em regiões onde elas não se dão, mas isso não nega a existência global de várias variantes.
Como se pode ver, não existe um “Cristianismo”. O termo é bastante genérico, e aplicável a grupos com as crenças mais variadas possíveis e imagináveis. Se compararmos um cristão ortodoxo do Oriente, com um católico romano, um baptista tradicional e um neopentecostal, eles terão muito pouco em comum. No entanto todos eles dirão que são "cristãos". Poderão ter, inclusive, divergências profundas em temas fundamentais como a salvação, a natureza de Yeshua e o baptismo.
Não existe forma, portanto, dos leitores cristãos de afirmarem categoricamente que “o Cristianismo tem 2 mil anos”, porque não existe esse Cristianismo global e único que essa afirmação pressupõe.
E como podem, ainda, os leitores afirmarem que “o Cristianismo Bíblico tem 2 mil anos”, se a definição de “Cristianismo Bíblico” varia de cristão para cristão. Se formos pela maioria, então todos deveriam ser católicos romanos. Se formos pelas práticas ou doutrinas mais difundidas, novamente estaremos mais próximos do catolicismo do que do protestantismo. Mesmo dentro do protestantismo, existem várias diferenças de crenças e práticas.
Lembramos que estamos, neste estudo, a analisar argumentos externos à Bíblia.
É claro que a resposta a muitas dessas questões é abrir a Bíblia e analisá-la. Porém, muitos ao lerem as Escritura dizem: “Todos interpretam desta forma” Se formos igualmente pensar na forma em que a maioria das pessoas lê a Bíblia, estaremos novamente a aproximar-nos do Catolicismo.
Há quem diga que, apesar disso, há 2 mil anos “existe uma igreja invisível, composta dos verdadeiros seguidores de Yeshua”.
Não vamos aprofundar a análise desta frase, que não é o propósito deste artigo. Porém, não existe nenhuma definição histórica das práticas dessa “igreja invisível” Normalmente, quem usa essa frase parte da premissa de que a “igreja invisível” tem práticas e interpretações teológicas semelhantes às suas próprias. Mas como não há registo histórico da “igreja invisível” (por razões óbvias), não há como dizer que essa “igreja invisível” tinha esta ou aquela prática ou crença. Por outras palavras: Não é possível argumentar sobre a “igreja invisível” para defender práticas, porque isso depende da subjectividade de quem define a expressão.
Conclusões sobre esta premissa
- É muito subjectivo afirmar que este ou aquele grupo tem “2 mil anos". Na verdade, nenhum grupo cristão tem oficialmente 2 mil anos de existência. E, em muitos casos, dependem de que lado a pessoa está no momento da cisão.
- Não há como definir, com base nos grupos cristãos, um conjunto único de dogmas de fé e de prática que sejam “um núcleo de 2 mil anos”, pois até em temas fundamentais como a salvação, encontram-se divergências entre si.
Obedecer à Lei é uma novidade entre os seguidores de Yeshua?
Alguns argumentam que a ideia de obedecer à Lei de Deus só começou a ser divulgada nos tempos actuais, por grupos “sectários” ou "judaizantes" e que por isso não pode ser levada em consideração, pois trata-se de uma “novidade” que jamais existiu anteriormente. Mais uma vez, esse é um argumento equivocado.
Os grupos históricos mais tradicionais escandalizar-se-iam profundamente com a tendência moderna de se declarar que não há necessidade de se cumprir “a Lei de Deus” Vejamos aqui algumas confissões de fé:
Reforma Protestante
Um dos principais documentos das igrejas reformadas era conhecido como o Catecismo de Heidelberg (século XVI), que afirma o seguinte:
“Mas o que são as boas obras? Somente aquelas que procedem da verdadeira fé, e são realizadas segundo a Lei de Deus, e para a Sua glória; e não aquelas que são fundadas na nossa imaginação, ou nas instituições de homens.” (Pergunta 91)
A Confissão Batista (século XVII) também afirma algo semelhante, quando diz:
“O Espírito do Messias subjuga a vontade do homem, e permite realizar livremente e com alegria aquilo que é a vontade de Deus, conforme revelado na Lei, requer que seja feito.” (19:7)
Catolicismo Romano
O Catecismo da Igreja Católica também afirma algo semelhante:
“A Lei do Eterno confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como um caminho de vida e de verdade.” (2037)
Catolicismo Ortodoxo
Algo semelhante também pode ser encontrado no Catecismo de São Filaret:
“Que forma temos de discernir boas obras das ruins? Pela lei interior do Eterno, ou testemunho de nossa consciência, e pela lei exterior do Eterno... Quando e como foi a lei exterior do Eterno dada aos homens? Quando o povo hebreu, descendente de Abraão, foi milagrosamente resgatado da escravidão do Egipto, no caminho da terra prometida, no deserto, no monte Sinai, o Eterno manifestou sua presença em fogo e nuvens, e deu a eles a Lei, pela mão de Moisés, seu líder.”
A Mudança do Movimento Carismático
A ideia de que não haja qualquer necessidade de cumprimento da Lei de Deus surgiu com o movimento Carismático e foi herdada pelo Neo-pentecostalismo. Essa ideia, que posteriormente acabou por influenciar outras igrejas, foi duramente criticada pelos seus antecessores. Por exemplo, o pastor pentecostal (não-carismático) Bill Burket afirma:
“Os carismáticos indicam em seu ensinamento que a Lei de Deus e o Seu amor são diamétricos, e que se você observa um, você não tem o outro, e que esses representam dois tipos diferentes de dispensação de revelação, e que estamos a viver a dispensação do amor, e que portanto você está nalgum tipo de escravidão se viver pela Lei moral de Deus. Mas a Bíblia ensina que eles são a mesma coisa, e a Lei de Deus é simplesmente o Amor de Deus em forma escrita.” (Pentecostal But Not Charismatic)
Evidentemente que existe uma profunda divergência entre o que os grupos supracitados consideram ser a “Lei de Deus” e o que os que defendem a observância total da Torá.
Não queremos de forma alguma negar essa alegada diferença. Porém, é preciso igualmente compreender que esses grupos também divergem entre eles sobre a definição do que é a “Lei”. Mas, à excepção dos grupos mais modernos, todos concordam que a “Lei” (seja qual for a sua definição) deve ser cumprida, e que o simples cumprir a “Lei” não anula a fé nem a graça - desde que, claro, feita pelos motivos correctos, isto é, como consequência da fé, e não como tentativa de se obter a salvação pelas obras.
Conclusões sobre esta premissa
- Historicamente, a ideia da necessidade do cumprimento da Lei sempre acompanhou todas as ramificações do Cristianismo.
- Embora praticamente todos os grupos cristãos discordem entre eles sobre o que é a “Lei de Deus”, a ideia de que essa Lei não deveria ser cumprida é um desenvolvimento teológico mais recente.
As Práticas da Torá são uma novidade entre os seguidores de Yeshua?
Uma variação do argumento anterior é a afirmação de que as práticas realizadas pelos grupos que defendem a Torá são práticas estranhas, e que não são adoptadas por nenhum outro grupo.
Novamente, é preciso que os leitores entendam que o seu universo pessoal não representa nem 1% do Cristianismo, e que o facto de não terem conhecimento que determinadas práticas sejam realizadas no meio que os leitores vivem, não significa que tais práticas não sejam amplamente realizadas noutros lugares.
Vocês poderão ficar surpreendidos com a frase a seguir, mas o facto é que o Cristianismo cumpre grande parte da Torá. Temos noção de que essa frase controversa espantará tanto o leitor cristão quanto o israelita. No entanto, solicito que tirem as vossas conclusão apenas depois de lerem os argumentos que se seguem:
A seguir, alguns exemplos entre algumas das práticas da Torá que mais se destacam para quem tem contacto com ela:
1- Shabbat
O Shabbat, ou sábado, nunca deixou, ao longo da história, de ser observado por grupos de cristãos, mesmo após a imposição do domingo por parte da Igreja Romana. Agostinho, de Hipona, por exemplo confirma no século IV:
“É claro que todas as igrejas orientais e a maior parte do mundo observavam o Shabbat como festival. Os autores gregos são unânimes no seu testemunho.”
Ao longo da Idade Média, pelo menos dois grupos observavam o Shabbat: A Igreja Ortodoxa Etíope que, devido à distância geográfica de Roma, é a que mais se assemelha aos ritos dos antigos seguidores de Yeshua, algumas Igrejas Ortodoxas Orientais, e também alguns grupos anteriores à Reforma, como por exemplo os Waldenses. Depois da Reforma, vários outros grupos sabatistas surgiram, sendo os mais importantes, os Batistas do Sétimo Dia e os Adventistas. Portanto, uma parcela considerável da Cristandade sempre observou o Shabbat.
2- Circuncisão
Muitos ficarão surpreendidos, mas a circuncisão também é praticada dentro do Cristianismo, especialmente dentro da Ortodoxia. As Igrejas Ortodoxa Copta, Ortodoxa Etíope e Ortodoxa da Eritréia, além de algumas outras igrejas africanas, ainda praticam a circuncisão de seus filhos, conforme a determinação bíblica.
Um documento da ONU, que delibera sobre a questão, afirma:
“Os cristãos coptas no Egipto e os cristãos ortodoxos etíopes - duas das formas mais antigas de Cristianismo sobreviventes - retêm muitos aspectos do Cristianismo primitivo, inclusive a circuncisão de homens.” (Male Circumcision: context, criteria and culture)
Como vemos, mais uma vez é uma prática que tem considerável adopção dentro do Cristianismo, embora não seja muito conhecida na sociedade ocidental.
3- Festas Bíblicas (Geral)
Além de terem sido celebradas nas comunidades primitivas, e tornarem-se controvérsia com a Igreja Romana até, pelo menos, meados do século VII, há também registos da observância de festas bíblicas, inclusive durante a Idade Média.
O rabino-historiador Samuel Kohn também relata na sua obra “Sabbatarians in Transylvania” registos históricos de comunidades sabatistas no século XVI celebrando todas as festas bíblicas.
Recentemente, também temos visto um crescente interesse de movimentos cristãos mais modernos, a partir do século XIX, com crescente interesse nas festas bíblicas.
Por outras palavras, a prática dentro do Cristianismo de festas bíblicas sempre existiu, em maior ou menor grau, e perdura até hoje. Está muito longe, portanto, de ser uma novidade entre os crentes em Yeshua.
A seguir, veremos alguns exemplos de festas específicas:
3.1) Páscoa/Festa dos asmos
Primeiramente, é preciso distinguir entre o “não praticar” e o “praticar equivocadamente.” Porque enquanto o primeiro pressupõe uma abolição da prática, o segundo não. Esse é o caso do Pêssach, ou “Páscoa.” Todo o mundo cristão a celebra, embora muitos o façam equivocadamente, sem se darem conta de que a Igreja Romana adoptou, para essa festividade, a data e os costumes da festa da deusa da fertilidade, Ishtar. No entanto, ninguém questiona a importância da data.
Além disso, como vimos, existiam muitos grupos que praticavam a datação e o costume correcto não só do Pêssach (“Páscoa”) como também de Chag haMatsot (Festa de Pães Ázimos.) Esses grupos eram chamados de “quartodecimanos.” Em alusão ao dia catorze de abib. Embora entre esses grupos, nem todos cumprissem a festa de pães ázimos, uma parcela considerável (provavelmente a maioria) fazia-o. Sabe-se, por um registro do bispo de York, que os quartodecimanos existiram até, pelo menos, ao século XVII. Depois da Reforma, alguns grupos (embora não muito grandes) retornaram à prática quartodecimana.
Resumindo, essa é uma prática que, de uma forma ou de outra, se mantém parcialmente em todo o Cristianismo; manteve-se na sua totalidade por muitos séculos apesar da forte perseguição de Roma.
3.2) Pentecostes
Esta é uma festa que se mantém até hoje, embora tenha mais importância dentro dos ritos católicos do que do Protestantismo. Trata-se da famosa festa de “Pentecostes”, ou “Festa das Semanas”, como é conhecida biblicamente.
Como essa festa possui relação cronológica com Páscoa/Asmos, e tendo a Igreja Romana revisto a data da sua “Páscoa”, evidentemente que a data acaba por não coincidir com a verdadeira data bíblica de Shavuot (Pentecostes).
Porém, a prática permanece apesar desse erro. É claro que a prática moderna já tem evidentes diferenças em relação à prática bíblica, mas o importante é ressalvar que Shavuot, mesmo com muitos erros, não é considerada uma prática abolida, e é realizada por boa parte do Cristianismo.
3.3) Dia das Trombetas (Yom Teruá)
Como já afirmamos, a chamada “Festa das Trombetas” é mais um exemplo de uma festa bíblica que tem sido mais recentemente igualmente revisitada por grupos cristãos modernos. Porém, mais importante do que isso é o facto de que inúmeros teólogos cristãos apontam correctamente para Yom Teruá como directamente associado ao dia do retorno de Yeshua. Sendo assim, mesmo a data não ter sido praticada pela vasta maioria, muitos são os teólogos que a consideram fundamental, teologicamente.
3.4) Dia da Expiação (Yom Kippur)
O Yom Kippur (“Dia da Expiação”) caracterizava-se por dois principais elementos: Um deles dizia respeito ao ritual do Sumo-Sacerdote, que derramava o sangue sobre o propiciatório da Arca da Aliança. O outro aspecto era o “afligir de almas”, eufemismo bíblico para o jejum.
Poucos sabem, mas até hoje a Igreja Ortodoxa Etíope mantém a prática de derramar um cálice de vinho (representando o sangue de Yeshua) sobre o propiciatório do Arca da Aliança. A Igreja Etíope alega ter posse da Arca da Aliança, embora muitos especulem que seja uma réplica, possivelmente enviada por Salomão à rainha de Sabá, e preservada pelos Beta Israel, a comunidade judaica etíope até aos primórdios do Cristianismo.
Sem entrar no mérito teológico da questão, o Dia da Expiação é também considerado uma data importante dentro da teologia Adventista, que o considera como uma data especial de cumprimento de parte da expiação de Yeshua nas regiões celestiais. Portanto, mais uma vez o Dia da Expiação não é uma prática “nova” nas práticas cristãs.
3.5) Sukkot (Festa das cabanas ou festa dos tabernáculos)
Além de ser uma das festas com registos históricos sobre a sua observância ao longo dos séculos, e do interesse moderno na mesma, esta é uma festa que a Bíblia diz explicitamente que será celebrada no Milénio, por todas as nações, em Zacarias 14:16-19. Com isto, muitos teólogos não negam a sua importância, e afirmam que a mesma esteve vigente, e será vigente, não estando vigente unicamente no momento presente da “Igreja” - o que não é difícil de perceber como pretexto teológico para não observá-la actualmente.
4) Leis alimentares
As chamadas “leis alimentares” também têm sido observadas ao longo dos séculos por diversos grupos cristãos.
Dentre os grupos católicos, mais antigos, podemos destacar a Igreja Ortodoxa Etíope, que até hoje mantém as leis alimentares bíblicas na sua prática de fé. Outras Igrejas Ortodoxas, tanto Orientais quanto Ocidentais, embora não enfatizem tais leis da mesma forma que a Igreja Etíope, também desencorajam os seus seguidores a seguirem uma alimentação não bíblica.
Semelhantemente, após a Reforma, temos como principal grupo praticante das leis alimentares o movimento Adventista. Há também grupos mais modernos que têm praticado tais leis. Sendo assim, podemos perceber que as leis alimentares não podem ser chamadas de “novidade” ou descartadas como uma nova invenção, mas vêm sendo praticadas desde os primórdios do Cristianismo.
Estes são apenas alguns exemplos de inúmeras práticas da Torá que, em maior ou menor escala, com maiores ou menores alterações, podem ser encontradas nas diversas vertentes do Cristianismo. E servem para demonstrar que a pregação da Torá, e do retorno à obediência à Lei de Deus não é algo novo.
A grande diferença entre tais práticas e a prática dos grupos actuais que defendem a observância da Torá é apenas uma: Enquanto a maioria dos grupos supracitados cumpre esta ou aquela observância e ignora outras, nós defendemos que TODA a Torá é o livro de instruções da caminhada dos crentes.
A observância selectiva dos grupos supracitados também prova claramente que as igrejas cristãs têm uma atitude dúbia para com a Lei de Deus, pois ao julgarem-se capazes de determinar quais os preceitos da Palavra Imutável que foram abolidos, e que outros preceitos devem ser cumpridos, os grupos acabam por discordar entre eles próprios, e cada qual tem práticas distintas, pois pouquíssimos são os que observam a totalidade.
Vemos então que:
- As práticas da Torá (instrução) do Eterno não são práticas modernas, e a maior parte dela podem ser encontradas ao longo inclusive de toda a história do Cristianismo.
- As igrejas cristãs divergem consideravelmente sobre quais os preceitos da Torá que devem ser cumpridos hoje.
- O que propomos não é invenção de homens, mas uma premissa simples: TODAS as recomendações do Eterno são fonte de instrução para a humanidade.
Seguindo a Maioria?
Outro argumento bastante utilizado é o de que “todo o mundo pensa ou age de certa forma”
Existem alguns erros básicos nessa premissa. O primeiro é acerca da maioria: Normalmente, as pessoas referem-se à maioria dentro da região onde moram. Contudo, isso é bastante relativo, pois há diversas regiões onde impera esta ou aquela denominação religiosa. Uma pessoa que viva no Egipto terá como maioria predominante as igrejas Copta e Oriental. Alguém que viva na Itália terá como maioria predominante o Catolicismo Romano, e assim por diante. Portanto, a “maioria regional” não é sinónimo de doutrina correcta, e simplesmente reflecte um desejo da pessoa de colocar o social acima da fé.
Caso consideremos a “maioria global”, todos deveriam ser católicos romanos. Porém, boa parte dos demais cristãos consideram o catolicismo romano como uma das denominações mais distantes da Bíblia em termos de fé e prática. E mesmo os católicos romanos representam apenas cerca de 50% do mundo cristão - o que significa que igualmente teriam problemas em afirmar que todo o restante está equivocado, por força unicamente numérica.
Além disso, esse argumento apresenta dois pesos e duas medidas, quando apresentado por um evangélico ou protestante. Porque se Lutero, Zwingli ou Calvin tivessem pensado dessa forma, as igrejas protestantes possivelmente não existiriam hoje. Na época desses homens, não havia variedade de igrejas numa mesma região. Se a região fosse dominada por Roma, todos seriam católicos romanos. Isto significa que esses homens tiveram que aceitar ficar inicialmente sozinhos, e não seguiram a maioria.
Nem é preciso recordar que a Bíblia em diversos pontos adverte que não devemos nem seguir a maioria, muito menos ceder a pressões sociais (ou mesmo familiares), como por exemplo nos versos abaixo:
"Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto." 1 Cor. 10:5
"Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo." Luc. 14:26
Então mais uma vez vemos que:
- Esta premissa é baseada em estatísticas locais e, portanto, equivocadas.
- Se a maioria for a voz da razão, deveriam todos ser Católicos Romanos.
- A Bíblia não se preocupa com números, e sim com a verdade.
Foi Deus que permitiu que as coisas fossem assim?
Alguns afirmam que “Deus tem a liderança das igrejas” e que se Ele permitiu que assim fosse, isso significa que Ele está satisfeito com elas.
No entanto tal afirmação tem alguns senãos. O primeiro deles, já evidenciado anteriormente é: Qual a igreja que Deus lidera?
Na realidade, o que acontece é que YHWH é paciente. E as pessoas confundem a paciência de Deus com o "ter a sua aprovação". Vejamos um exemplo nas Escrituras sobre isso:
"E acharam escrito na lei que o SENHOR ordenara, pelo ministério de Moisés, que os filhos de Israel habitassem em cabanas, na solenidade da festa, no sétimo mês. Assim publicaram, e fizeram passar pregão por todas as suas cidades, e em Jerusalém, dizendo: Saí ao monte, e trazei ramos de oliveiras, e ramos de zambujeiros, e ramos de murtas, e ramos de palmeiras, e ramos de árvores espessas, para fazer cabanas, como está escrito. Saiu, pois, o povo, e os trouxeram, e fizeram para si cabanas, cada um no seu terraço, nos seus pátios, e nos átrios da casa de Deus, na praça da porta das águas, e na praça da porta de Efraim. E toda a congregação, dos que voltaram do cativeiro fizeram cabanas, e habitaram nas cabanas, porque nunca fizeram assim os filhos de Israel, desde os dias de Josué, filho de Num, até àquele dia; e houve mui grande alegria." Neemias 8:14-17
Repare no que a Bíblia diz aqui: O povo de Israel passou quase mil anos negligenciando um mandamento de Deus! E nem por isso Ele deixou de amar ou de ser paciente com o povo de Israel. O povo estava no erro, mas YHWH foi longânimo devido à ignorância do povo.
Da mesma forma, a restauração da fé não teve o seu fim em Lutero: Ela teve seu início nele, mas precisa prosseguir. É preciso que todos deixem as práticas pagãs incorporadas pela Igreja de Roma, e voltem às práticas bíblicas. Lutero apenas deu início aquilo que os que lhe sucederam deveriam dar continuidade.
A misericórdia de YHWH não deve ser pretexto para deixarmos de nos voltarmos para a verdade. E assim como o Eterno se relacionou com Israel apesar da sua desobediência, sem aprová-la, muitas vezes Ele relaciona-se com pessoas que estão em sistemas religiosos falsos, sem que isso possa significar que Ele aprove todos os seus hábitos, comportamentos ou crenças.
Conclusões sobre esta premissa
- Não devemos confundir a paciência do Eterno, com aceitação.
- O Eterno se relaciona misericordiosamente com o ser humano, apesar dos seus erros.
- Mesmo assim, devemos buscar a verdade, pois Deus tem-nos levado no sentido da restauração. Uma coisa é Deus saber que o buscamos continuamente, outra coisa é Ele saber que estamos acomodados, percebemos o erro, e mesmo assim, nada fazemos para corrigi-lo.
Para finalizar percebemos então que:
- As práticas cristãs da actualidade não têm 2 mil anos.
- Não existe um “Cristianismo” ou uma “Igreja” de 2 mil anos. Essa definição depende da subjectividade de cada um.
- Diferentes grupos cristãos têm diferentes crenças sobre assuntos fundamentais na fé.
- Até há bem pouco tempo, a ideia de obedecer à Lei de Deus sempre acompanhou os que dizem seguir Yeshua, com variações apenas na definição sobre o que é “Lei.”
- Não há unanimidade no meio do Cristianismo sobre o que é a “Lei de Deus”.
- As práticas da Torá não são novidade, e boa parte delas podem ser encontradas nos mais variados grupos cristãos.
- A Torá não é unicamente praticada por um pequeno grupo sectário do século 21. Ela foi praticada ao longo de toda história.
- É ilusão achar que “seguir uma suposta maioria” é positivo, biblicamente.
- A tolerância do Eterno com o Cristianismo não significa que Ele aprova as suas crenças, ou práticas.
Louvado seja o Nome do Eterno, YHWH.